sexta-feira, 14 de outubro de 2016

É que as faculdades parem de formar desempregados


“Professor, estou buscando empreendedores. Conhece algum aluno ou ex-aluno que está empreendendo?” Ele desviou sua atenção do computador, encarou-me como se fosse um ET e com um olhar oblíquo e desinteressado perguntou quem eu era e se poderia ser mais claro. Disse que trabalhava com venture capital e que estava em busca de startups para investir. Ele voltou-se para o monitor e balbuciou algo que entendi que ele não poderia ajudar. Agradeci a atenção e saí da sua sala com a dúvida se ele tinha entendido alguma coisa do que tinha falado ou se tinha ficado bravo por tê-lo abordado sem um agendamento prévio. Mas a cena se repetiu inúmeras vezes naquele ano de 1999 em outras faculdades e universidades e a quase totalidade dos professores não tinha nenhuma compreensão ou referência de empreendedorismo.
Dezessete anos depois e esta universidade que tinha visitado inicialmente, a UNICAMP, é a principal referência acadêmica nacional de empreendedorismo. É a que mais gera patentes no país, tem uma das principais incubadoras e parques tecnológicos do Brasil, a mais atuante agência de inovação e seus dirigentes não se cansam de falar das “filhas da UNICAMP”, um conjunto monitorado de 286 empresas que foram criadas por egressos da instituição e que juntas faturaram algo próximo a R$ 3 bilhões e geraram 20 mil empregos altamente qualificados em 2015.
Mas enquanto a UNICAMP não só incluiu o tema empreendedorismo, principalmente a partir de 2002, quando o Professor Carlos Henrique Brito Cruz assumiu a reitoria, mas também criou as bases de um ecossistema condizente com a sua estrutura e papel social, muitas faculdades e universidades do país ainda não perceberam o papel cada vez mais relevante em formar alunos empreendedores e inovadores.
Se os temas empreendedorismo e inovação já se tornaram rotina nas faculdades de negócios, engenharias e computação, em outras são solenemente ignoradas e, em certos casos são até execradas como símbolo maldito do capitalismo.
Em cursos como Medicina, Odontologia, Fisioterapia, Educação Física, Pedagogia, Direito, Contabilidade, Psicologia, Nutrição, Design, Arquitetura, Moda ou Gastronomia, entre tantos, a opção de atuar por conta própria será considerada pelo(a) aluno(a) em algum momento da sua carreira profissional e este momento tem sido cada vez mais cedo. Desta forma, conhecimentos, habilidades e atitudes empreendedoras só o(a) tornará um(a) melhor profissional, trabalhando para si ou para os outros.
Mas há outros cursos que muitos não enxergam uma relação direta com o empreendedorismo e inovação. Filosofia e Biblioteconomia são dois exemplos emblemáticos. Estes não entendem o real motivo de Mario Sergio Cortella, Luiz Felipe Pondé ou Clovis de Barros Filho fazerem tanto sucesso empreendendo algo que tende a ser cada vez mais, o maior problema do ser humano: a sua própria existência. Também desconhecem como o Google surgiu justamente a partir de um problema de pesquisa bibliográfica e a relevância de uma determinada referência em um mundo inundado de informações inúteis ou desconexas.
Mas o principal motivo de incluirmos empreendedorismo e inovação na grade curricular de todos os cursos superiores não está no fato de darmos mais alternativas de carreiras para os nossos alunos, mas porque ensinamos olhando para o passado, com exemplos, técnicas e abordagens de anos ou décadas atrás, que, em várias situações já não são mais utilizados pelo mercado.
Isto tem criado um desemprego sistêmico e funcional em que uma massa crescente de jovens não consegue encontrar uma vaga para aplicar o que aprendeu. Por outro lado, o aluno empreendedor é um visionário que tem iniciativa, sabe identificar oportunidades e estabelecer soluções inovadoras. Ser um empreendedor não se limita às pessoas que criam iniciativas muito rentáveis, negócios sociais ou mesmo empresas sem fins lucrativos. O comportamento empreendedor existe em todos os setores, em todos os níveis de carreira, em todos os momentos da vida. E, curiosamente, é o perfil mais demandado pelas principais empresas que precisam contratar talentos que querem empreender e inovar dentro das organizações. O empreendedor pode querer ou não ser empregado, mas nunca ficará desempregado.
Mas voltando ao professor… Ele tinha vários alunos e ex-alunos empreendendo. Anos depois, acabamos investindo na startup criada pelo Fabricio Bloisi e outros colegas da faculdade. Fabrício co-fundou a Compera, atual Movile, a maior empresa de aplicativos móveis da América Latina, com soluções como a PlayKids, iFood e TruckPad, tornando-se um dos principais empreendedores brasileiros da atualidade.  Um golaço da UNICAMP…
Marcelo Nakagawa é Professor de Empreendedorismo e Inovação do Insper e Diretor de Empreendedorismo da FIAP.

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