quinta-feira, 7 de abril de 2016

Carta de Bin Laden revela como facção terrorista administrava suas finanças


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Osama bin Laden investia em ouro?
Parece que sim. No final de 2010, depois de receber um resgate de US$ 5 milhões, a Al Qaeda de repente se viu com os cofres cheios e teve que decidir o que fazer com essa bonança inesperada. Em um momento em que a incerteza financeira da Grande Recessão fazia o ouro ser um investimento seguro, Bin Laden parece ter sido tão otimista quanto ao valor do metal precioso quanto qualquer devoto de Ron Paul, seguidor do Tea Party ou financista de Wall Street.

Associated Press
Osama bin Laden no Afeganistão, em foto não datada
Osama bin Laden no Afeganistão, em foto não datada
Em uma carta que escreveu em dezembro de 2010, Bin Laden instruiu o administrador geral da Al Qaeda a reservar um terço do resgate – quase US$1,7 milhão – para comprar barras e moedas de ouro. Escrita em árabe, a carta faz parte do conjunto de documentos apreendidos pelos comandos de forças especiais americanas na invasão da casa de Bin Laden em Abbottabad, Paquistão, em 2011, que foram divulgados pela Agência Central de Inteligência (CIA) no mês passado. Ela dá uma ideia de como a Al Qaeda administrava suas finanças e do que grupos terroristas procuram fazer com o dinheiro que levantam.
"A tendência geral de preço é de alta", escreveu Bin Laden a Atiyah Abd al-Rahman, o administrador geral da Al Qaeda. "Mesmo levando em conta quedas ocasionais, nos próximos anos o ouro chegará a US$ 3 mil a onça."
Bin Laden pode não ter tido talento como investidor – o ouro alcançou seu preço máximo de US$ 1.900 a onça cinco meses após sua morte, em 2011–, mas parece ter tido uma sensibilidade aguda para a situação financeira vigente na época. Sua crença em um futuro otimista para o ouro era compartilhada na época por muitos americanos e vários de seus luminares financeiros, incluindo George Soros e John Paulson, ambos os quais estavam investindo fortemente no metal precioso. A demanda estava tão alta que em 2010 o banco de investimento JPMorgan Chase reabriu um cofre bancário, fechado já há muito tempo, para guardar ouro sob as ruas do centro de Manhattan.
Podemos supor que, se a Al Qaeda comprou ouro – as autoridades americanas não descobriram se as instruções de Bin Laden foram ou não seguidas nesse caso –, os terroristas da facção não o entregaram ao JPMorgan para ser guardado. Autoridades americanas acreditam que, anteriormente, o grupo terrorista tenha recorrido ao ouro como opção segura para guardar seu dinheiro e como "divisa" alternativa ao dólar. A Al Qaeda deve ter tido acesso a corretores de ouro nas áreas tribais do Paquistão e ao mercado de ouro pouco regulamentado de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, na época em que Bin Laden escreveu a carta.
"Sempre se especulou como a Al Qaeda guardava seu capital excedente", comentou Juan C. Zarate, vice-assessor de segurança nacional na administração George W. Bush e líder dos esforços americanos para rastrear os bens do grupo militante após 2011. "A facção temia que pudéssemos fazer coisas com o dólar que influenciassem sua capacidade de ter acesso a ele, que pudéssemos fazer exigências às instituições financeiras."
Como a Al Qaeda, outras facções terroristas islâmicas enfrentam o problema de como evitar intervenções feitas pelo Tesouro americano e listas negras internacionais. Suas estratégias de gerenciamento de riqueza variam; alguns se mostram mais adeptos a ganhar dinheiro do que investi-lo.

Associated Press/CNN
Imagem de 2002 mostra Bin Laden, supostamente no Afeganistão, rodeado por seguranças
Imagem de 2002 mostra Bin Laden, supostamente no Afeganistão, rodeado por seguranças
O Estado Islâmico, por exemplo, tornou-se o grupo terrorista possivelmente mais rico da história, arrancando dinheiro das populações que domina, assaltando cofres bancários e contrabandeando petróleo. Mas seu sucesso parece tê-lo deixado vulnerável: o grupo já arrecadou tanto dinheiro que está tendo que estocá-lo fisicamente em depósitos, dez dos quais foram bombardeados por aviões americanos desde meados de 2015.
A rede taleban Haqqani, que tem vínculos estreitos com a Al Qaeda, teria investido em imóveis no Afeganistão, Paquistão e Emirados Árabes Unidos. Um funcionário europeu que exigiu anonimato para falar de questões de inteligência disse que a rede teria sido fortemente afetada pela crise no setor imobiliário em Dubai e nos Emirados Árabes Unidos, alguns anos atrás.
Apesar do eventual estouro da bolha imobiliária, o setor parece ter representado um investimento relativamente seguro, especialmente no sul da Ásia, onde há pouca regulamentação.
"Você pode aparecer com uma mala de dinheiro e comprar uma casa", falou Gretchen Peters, da consultoria Satao Project, que focaliza o crime organizado e o terrorismo. "Ninguém da Receita vai investigá-lo por lavagem de dinheiro."
Na época em que Bin Laden escreveu a carta a seu gerente geral, os dois estavam discutindo o resgate de US$ 5 milhões, que tinha sido pago pelo gabinete do presidente afegão, Hamid Karzai, pela libertação de um diplomata afegão feito de refém pela Al Qaeda. Sem o conhecimento da facção, um quinto do resgate tinha sido fornecido não intencionalmente pela CIA, que financiava um fundo secreto para o líder afegão com entregas mensais de dinheiro vivo feitas ao palácio presidencial em Cabul.
A Al Qaeda estava com o dinheiro em mãos quando Bin Laden escreveu a carta ao administrador geral do grupo terrorista, em dezembro de 2010, esclarecendo que não queria nenhum contato com dólares americanos, que muitos terroristas islâmicos temem que pudesse expô-los à justiça americana.
"Quanto ao dinheiro do resgate do prisioneiro afegão, acho que você deve usar um terço para comprar ouro e outro terço para comprar euros", ele escreveu.
O restante, disse Bin Laden, deveria ser usado para comprar dinares kuaitianos e renminbi (ou yuans) chineses, sendo mais ou menos um terço disso mantido em moedas locais para cobrir as despesas cotidianas. "Quando você gastar o dinheiro, use os euros primeiro, depois os dinares, os yuans e por último o euro".
Ele deu instruções específicas sobre como o ouro deveria ser adquirido. O metal seria comprado em moedas ou barras, que ele descreveu como "10 tolas", uma denominação comum dada às barras de ouro no sul da Ásia. As moedas de ouro "são cunhadas em vários países", ele escreveu, citando a Suíça, a África do Sul e os Emirados Árabes Unidos.
Mas nessa época Bin Laden já estava paranoico – em dado momento, temeu que um dentista iraniano tivesse implantado um aparelho de rastreamento em um dos dentes de sua mulher – e enfatizou na carta que "o intermediário com quem você trabalha precisa ser de confiança". Ele sugeriu comprar um pouco de ouro e revendê-lo para certificar-se da honestidade do intermediário.
Bin Laden parece ter acreditado que, se fosse feito corretamente, o investimento em ouro teria resultados certeiros.
"Neste momento o ouro está valendo US$ 1.390 a onça, mas antes dos acontecimentos em Nova York e Washington era US$ 280 a onça", ele acrescentou. "Se o preço chegar a US$1.500 ou um pouco mais antes de você receber esta mensagem, ainda pode comprar."
Se a Al Qaeda comprou ouro quando Bin Laden aconselhou, foi uma má aposta. Na data em que sua carta foi escrita, 3 de dezembro de 2010, o ouro fechou em US$ 1.414,08 a onça. Hoje o preço está em torno de US$ 1.230.
TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN

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