sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

UMA BELA HISTÓRIA: Após 51 anos de trabalho, 'Very Well' deixa Palácio do Planalto nesta sexta.

José Maria Nazareth, 78, viu 13 presidentes passarem pelo poder. Nesta quarta, se despediu de Dilma; João Goulart era o favorito.

José Maria Nazareth, o “Very Well”, no Palácio do Planalto (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)José Maria Nazareth, o “Very Well”, no Palácio do
Planalto (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)
Foram treze presidentes da República desde que "Very Well" chegou ao Palácio do Planalto, há 51 anos. Em seu último dia de trabalho na sede do governo, o funcionário José Maria Nazareth, 78 anos, se orgulha em dizer que apertou a mão e tirou uma foto ao lado de todos eles, inclusive de Dilma Rousseff, "a última que faltava", diz o servidor.
No Palácio do Planalto, José Maria Nazareth é "Very Well", ou simplesmente "Very". O funcionário ganhou o apelido dos jornalistas do comitê de imprensa, de onde o assistente deve se despedir nesta sexta-feira (1º). Very Well no Planalto, mas "Zezé" na família. "Ele é o caçula, por isso os irmãos chamam ele assim", conta a filha, Patrícia de Faro Nazareth.
O apelido estrangeiro veio das expressões em inglês que arrisca de vez em quando no trato com os jornalistas. As mulheres, ele chama de "Mary", os homens, de "Michael" ou de "Johnny", hábito que não vem de hoje. "Quando a gente era pequeno, a turma de crianças saía de casa e ia pra rua, ele gritava para a gente: 'come on, kids'", diz Patrícia, rindo, ao dizer que o pai é brincalhão com qualquer pessoa.
José Maria começou a trabalhar no Palácio do Planalto como contínuo no gabinete presidencial em 1961, requisitado da antiga estatal Conerj (Cia de Navegação do Estado do Rio de Janeiro). Durante o governo Figueiredo, em 1985, passou a trabalhar no comitê de imprensa, onde acompanhava jornalistas aos andares de circulação reservada, fazia clipping, atendia telefone, entre outras tarefas.
Nos últimos tempos, após 27 anos no comitê, sua tarefa era organizar os jornais de uso comum dos jornalistas. Chegava ao Planalto ás 9h e voltava para casa às 14h ou 15h. Aposentado desde 1996, decidiu pedir exoneração do cargo de comissão que desfrutava na Presidência porque diz ter chegado "na idade". "Estou mais para lá do que para cá".
A família tentava o convencer a deixar o trabalho há dois anos. "Agora é nosso momento de curti-lo, porque realmente para ele chegar aonde chegou foi com muito trabalho, muito tempo fora de casa", comemora Patrícia, uma das sete filhas de Very. Netos, são 14. "Os netos estão chegando. Agora ele vai poder estar mais perto".
Despedida
Nesta quarta-feira (31), ele cumprimentou pela primeira vez Dilma Rousseff, momento organizado rotineiramente pela assessoria do Planalto para funcionários que estão se aposentando ou trocando de cargo conhecerem a chefe e tirarem uma foto.
José Maria Nazareth, o “Very Well”, na despedida com Dilma Rousseff no Palácio do Planalto (Foto: Roberto Stuckert Filho/PR e Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)José Maria Nazareth, o “Very Well”, na despedida com Dilma Rousseff no Palácio do Planalto (Foto: Roberto Stuckert Filho/PR e Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)
"Ela agradeceu a mim, a nós aqui da minha família. Ela ficou muito orgulhosa, me abraçou", conta o funcionário sobre o encontro, registrado pela equipe de fotografia da Presidência. Para o momento, ele levou Miriam, duas filhas e uma neta.
"Eu sempre pensava: 'Pô, será se eu vou embora e não falo com a dona Dilma?’. Mas foi uma beleza, surpreendeu muito, muito, muito. A gente nota nela que ela tem uma característica assim de servir, de amar, de não ter falsidade, isso não tem", disse Very.
"A gente ficou assim afastado quando a Dilma chegou, mas ela olhou para gente e perguntou se era da família. Foi ela quem chamou para tirar a foto", contou Miriam.
Dilma recebeu da família de Very um escapulário e uma imagem dos arcanjos Miguel, Rafael e Gabriel, nome do neto de Dilma. "Ela perguntou: 'é para mim?'. Abriu, gostou. Muito bacana da parte dela", conta a mulher de Very, a aposentada Miriam de Faro Nazareth.
Lembranças
Apesar do encontro emocionante, Very não esconde quem é seu presidente favorito: "O que eu tinha muito apego era o João Goulart", revela. "Ele tinha um gesto engraçado. Quem tava sem casa, corria lá, ele pá, pá, pá e tal. Então você precisava disso, corria lá. Ele sempre servia. Ele cruzava assim as pernas e atendia todo mundo", lembra-se o funcionário.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o único a receber o funcionário em seu gabinete, ainda no primeiro mandato, para "bater um papo". Na ocasião, Very pediu que o presidente olhasse para os pobres e ouviu de Lula: "Vou cuidar disso".
O trabalho de 51 anos no Planalto marcou também a memória dos filhos. Leonardo de Faro Nazareth lembra-se de ter sido abraçado pelo ex-presidente João Figueiredo durante uma festa de confraternização de funcionários. "Foi marcante porque ele chegou de helicóptero, com a esposa, que era muito bonita, muito elegante".
Do Planalto, Leonardo diz que o pai levará a admiração pelos jornalistas. "Onde estiver um jornalista, eu estou sempre rezando por ele. Porque pairou em mim esse amor a vocês, seja qualquer um, seja bonito, seja feio, seja torto, eu sempre estou à disposição", declarou-se Very durante conversa com repórteres.
Nova rotina
Religioso e devoto de Nossa Senhora das Graças da Medalha Milagrosa, acompanha o "Santo Terço" todos os dias às 18h, na TV Canção Nova, e vai à missa aos domingos na igreja Nossa Senhora das Dores, no Cruzeiro, bairro onde vive.
Ele mora na mesma casa há 30 anos - hoje na companhia da mulher, de três filhos e de quatro netos – e tem amizade com os vizinhos. "Daqueles amigos dos tempos sem grade, que os filhos são amigos e brincam juntos", conta.
José Maria Nazareth, o “Very Well”, e a mulher, Miriam Nazareth, no Palácio do Planalto (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)“Very Well”, e a mulher, Miriam, no Palácio do Planalto (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)
Com a aposentadoria, natação, caminhadas e exercícios de flexibilidade vão passar a fazer parte da rotina. Pelo menos esses são os planos da mulher e da filha, que contam que Very gosta de ouvir música italiana, o sambista Nelson Gonçalves e o flamenco Paco de Lucía. "Mas esses dias atrás ele tava cantarolando 'Esse cara sou eu'", ri Miriam.
Já Very não está tão certo sobre como ocupar seu tempo livre daqui para frente. "Menina, só Deus sabe. Porque eu não sei ficar quieto. Mas Nossa Senhora vai mostrar um caminho redentor para mim".

Priscilla MendesDo G1, em Brasília  

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