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Osama bin Laden investia em ouro?
Parece que sim. No final de 2010, depois de receber um resgate de US$ 5
milhões, a Al Qaeda de repente se viu com os cofres cheios e teve que
decidir o que fazer com essa bonança inesperada. Em um momento em que a
incerteza financeira da Grande Recessão fazia o ouro ser um investimento
seguro, Bin Laden parece ter sido tão otimista quanto ao valor do metal
precioso quanto qualquer devoto de Ron Paul, seguidor do Tea Party ou
financista de Wall Street.
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Associated Press |
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Osama bin Laden no Afeganistão, em foto não datada |
Em uma carta que escreveu em dezembro de 2010, Bin Laden instruiu o
administrador geral da Al Qaeda a reservar um terço do resgate – quase
US$1,7 milhão – para comprar barras e moedas de ouro. Escrita em árabe, a
carta faz parte do conjunto de documentos apreendidos pelos comandos de
forças especiais americanas na invasão da casa de Bin Laden em
Abbottabad, Paquistão, em 2011, que foram divulgados pela Agência
Central de Inteligência (CIA) no mês passado. Ela dá uma ideia de como a
Al Qaeda administrava suas finanças e do que grupos terroristas
procuram fazer com o dinheiro que levantam.
"A tendência geral de preço é de alta", escreveu Bin Laden a Atiyah Abd
al-Rahman, o administrador geral da Al Qaeda. "Mesmo levando em conta
quedas ocasionais, nos próximos anos o ouro chegará a US$ 3 mil a onça."
Bin Laden pode não ter tido talento como investidor – o ouro alcançou
seu preço máximo de US$ 1.900 a onça cinco meses após sua morte, em
2011–, mas parece ter tido uma sensibilidade aguda para a situação
financeira vigente na época. Sua crença em um futuro otimista para o
ouro era compartilhada na época por muitos americanos e vários de seus
luminares financeiros, incluindo George Soros e John Paulson, ambos os
quais estavam investindo fortemente no metal precioso. A demanda estava
tão alta que em 2010 o banco de investimento JPMorgan Chase reabriu um
cofre bancário, fechado já há muito tempo, para guardar ouro sob as ruas
do centro de Manhattan.
Podemos supor que, se a Al Qaeda comprou ouro – as autoridades
americanas não descobriram se as instruções de Bin Laden foram ou não
seguidas nesse caso –, os terroristas da facção não o entregaram ao
JPMorgan para ser guardado. Autoridades americanas acreditam que,
anteriormente, o grupo terrorista tenha recorrido ao ouro como opção
segura para guardar seu dinheiro e como "divisa" alternativa ao dólar. A
Al Qaeda deve ter tido acesso a corretores de ouro nas áreas tribais do
Paquistão e ao mercado de ouro pouco regulamentado de Dubai, nos
Emirados Árabes Unidos, na época em que Bin Laden escreveu a carta.
"Sempre se especulou como a Al Qaeda guardava seu capital excedente",
comentou Juan C. Zarate, vice-assessor de segurança nacional na
administração George W. Bush e líder dos esforços americanos para
rastrear os bens do grupo militante após 2011. "A facção temia que
pudéssemos fazer coisas com o dólar que influenciassem sua capacidade de
ter acesso a ele, que pudéssemos fazer exigências às instituições
financeiras."
Como a Al Qaeda, outras facções terroristas islâmicas enfrentam o
problema de como evitar intervenções feitas pelo Tesouro americano e
listas negras internacionais. Suas estratégias de gerenciamento de
riqueza variam; alguns se mostram mais adeptos a ganhar dinheiro do que
investi-lo.
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Associated Press/CNN |
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Imagem de 2002 mostra Bin Laden, supostamente no Afeganistão, rodeado por seguranças |
O Estado Islâmico, por exemplo, tornou-se o grupo terrorista
possivelmente mais rico da história, arrancando dinheiro das populações
que domina, assaltando cofres bancários e contrabandeando petróleo. Mas
seu sucesso parece tê-lo deixado vulnerável: o grupo já arrecadou tanto
dinheiro que está tendo que estocá-lo fisicamente em depósitos, dez dos
quais foram bombardeados por aviões americanos desde meados de 2015.
A rede taleban Haqqani, que tem vínculos estreitos com a Al Qaeda, teria
investido em imóveis no Afeganistão, Paquistão e Emirados Árabes
Unidos. Um funcionário europeu que exigiu anonimato para falar de
questões de inteligência disse que a rede teria sido fortemente afetada
pela crise no setor imobiliário em Dubai e nos Emirados Árabes Unidos,
alguns anos atrás.
Apesar do eventual estouro da bolha imobiliária, o setor parece ter
representado um investimento relativamente seguro, especialmente no sul
da Ásia, onde há pouca regulamentação.
"Você pode aparecer com uma mala de dinheiro e comprar uma casa", falou
Gretchen Peters, da consultoria Satao Project, que focaliza o crime
organizado e o terrorismo. "Ninguém da Receita vai investigá-lo por
lavagem de dinheiro."
Na época em que Bin Laden escreveu a carta a seu gerente geral, os dois
estavam discutindo o resgate de US$ 5 milhões, que tinha sido pago pelo
gabinete do presidente afegão, Hamid Karzai, pela libertação de um
diplomata afegão feito de refém pela Al Qaeda. Sem o conhecimento da
facção, um quinto do resgate tinha sido fornecido não intencionalmente
pela CIA, que financiava um fundo secreto para o líder afegão com
entregas mensais de dinheiro vivo feitas ao palácio presidencial em
Cabul.
A Al Qaeda estava com o dinheiro em mãos quando Bin Laden escreveu a
carta ao administrador geral do grupo terrorista, em dezembro de 2010,
esclarecendo que não queria nenhum contato com dólares americanos, que
muitos terroristas islâmicos temem que pudesse expô-los à justiça
americana.
"Quanto ao dinheiro do resgate do prisioneiro afegão, acho que você deve
usar um terço para comprar ouro e outro terço para comprar euros", ele
escreveu.
O restante, disse Bin Laden, deveria ser usado para comprar dinares
kuaitianos e renminbi (ou yuans) chineses, sendo mais ou menos um terço
disso mantido em moedas locais para cobrir as despesas cotidianas.
"Quando você gastar o dinheiro, use os euros primeiro, depois os
dinares, os yuans e por último o euro".
Ele deu instruções específicas sobre como o ouro deveria ser adquirido. O
metal seria comprado em moedas ou barras, que ele descreveu como "10
tolas", uma denominação comum dada às barras de ouro no sul da Ásia. As
moedas de ouro "são cunhadas em vários países", ele escreveu, citando a
Suíça, a África do Sul e os Emirados Árabes Unidos.
Mas nessa época Bin Laden já estava paranoico – em dado momento, temeu
que um dentista iraniano tivesse implantado um aparelho de rastreamento
em um dos dentes de sua mulher – e enfatizou na carta que "o
intermediário com quem você trabalha precisa ser de confiança". Ele
sugeriu comprar um pouco de ouro e revendê-lo para certificar-se da
honestidade do intermediário.
Bin Laden parece ter acreditado que, se fosse feito corretamente, o investimento em ouro teria resultados certeiros.
"Neste momento o ouro está valendo US$ 1.390 a onça, mas antes dos
acontecimentos em Nova York e Washington era US$ 280 a onça", ele
acrescentou. "Se o preço chegar a US$1.500 ou um pouco mais antes de
você receber esta mensagem, ainda pode comprar."
Se a Al Qaeda comprou ouro quando Bin Laden aconselhou, foi uma má
aposta. Na data em que sua carta foi escrita, 3 de dezembro de 2010, o
ouro fechou em US$ 1.414,08 a onça. Hoje o preço está em torno de US$
1.230.
TRADUÇÃO DE
CLARA ALLAIN