Justiça aceita denúncia contra Curió por crimes no Araguaia.
Rio e São Paulo Pela primeira vez desde a democratização, uma ação criminal proposta contra um militar por atos cometidos durante a ditadura foi aceita pela Justiça brasileira. A juíza federal Nair Cristina Corado Pimenta de Castro, do Tribunal Regional da 1ª Região, Subseção de Marabá, decidiu receber ontem as denúncias do Ministério Público Federal (MPF) contra os major reformado Lício Augusto Maciel e contra o coronel reformado Sebastião Rodrigues de Moura, mais conhecido como Major Curió. Ambos são acusados em diferentes processos pelo crime de sequestro e terão 10 dias para responder por escrito pelas acusações do MPF.
"Como ato de perdão, é ato que se volta ao passado; é tomada de posição de quem olha para trás e se determina a esquecer, a desconsiderar o que passou. Na hipótese dos autos, entretanto, está-se diante de algo que não passou, de evento que, em tese, não ficou no passado, antes perdura até que os indícios de sua permanência sejam suplantados por elementos evidenciadores de sua cessação", escreveu a juíza.
Denúncia se refere a 6 desaparecidos
No caso de Curió, ele é acusado de sequestro qualificado de cinco pessoas na Guerrilha do Araguaia. Curió comandou as tropas que atuaram na região em 1974, época dos desaparecimentos de Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Corrêa (Lia). Já o major Maciel é acusado do sequestro de Divino Ferreira de Souza (Nunes).
A decisão da Justiça foi comemorada pelo procurador da República e coordenador do grupo de trabalho Justiça de Transição, Ivan Marx, responsável pela denúncia.
"É a primeira que o Judiciário se engaja e assume o seu papel dentro das obrigações do Estado na Justiça Transicional. O que aconteceu é uma questão de amadurecimento institucional democrático. Demorou muito tempo para esse tipo de assunto ser tratado no Brasil. As investigações vêm desde de 2008, mas por que demorou tanto? E por que só agora temos uma Comissão da Verdade? São reflexões que temos que fazer", afirmou Marx.
A primeira vez que a ação contra o Major Curió foi proposta o pedido foi negado, mas a juíza reformou a decisão sob o mesmo argumento utilizado para aceitar a denúncia contra o major. Outra ação do tipo foi proposta na Justiça de São Paulo contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra e negada este ano.
Também ontem, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) encaminhou ao Juízo de Registros Públicos de São Paulo uma recomendação para que seja retificado o atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, morto nos porões da ditadura em outubro de 1975. Para a comissão, deve constar no atestado "morte por decorrência de lesões e maus tratos sofridos durante interrogatório em dependência do II Exército (DOI/CODI)". Hoje, a causa da morte declarada é "asfixia mecânica".
A recomendação é um pedido da viúva do jornalista, Clarice Herzog que também solicitou a reabertura da investigação sobre a morte do marido. A versão dos militares era de que Herzog teria cometido suicídio na prisão.
"A retificação do atestado de óbito é muito importante porque ele foi um instrumento de sustentação dessa farsa de suicídio. E é preciso derrubar essa sustentação", disse o filho de Vlado, Ivo Herzog.