UMA BELA HISTÓRIA: Após 51 anos de trabalho, 'Very Well' deixa Palácio do Planalto nesta sexta.
José Maria Nazareth, 78, viu 13 presidentes passarem pelo poder. Nesta quarta, se despediu de Dilma; João Goulart era o favorito.
José Maria Nazareth, o “Very Well”, no Palácio do
Planalto (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)
Planalto (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)
Foram
treze presidentes da República desde que "Very Well" chegou ao Palácio
do Planalto, há 51 anos. Em seu último dia de trabalho na sede do
governo, o funcionário José Maria Nazareth, 78 anos, se orgulha em dizer
que apertou a mão e tirou uma foto ao lado de todos eles, inclusive de
Dilma Rousseff, "a última que faltava", diz o servidor.
No
Palácio do Planalto, José Maria Nazareth é "Very Well", ou simplesmente
"Very". O funcionário ganhou o apelido dos jornalistas do comitê de
imprensa, de onde o assistente deve se despedir nesta sexta-feira (1º).
Very Well no Planalto, mas "Zezé" na família. "Ele é o caçula, por isso
os irmãos chamam ele assim", conta a filha, Patrícia de Faro Nazareth.
O
apelido estrangeiro veio das expressões em inglês que arrisca de vez em
quando no trato com os jornalistas. As mulheres, ele chama de "Mary",
os homens, de "Michael" ou de "Johnny", hábito que não vem de hoje.
"Quando a gente era pequeno, a turma de crianças saía de casa e ia pra
rua, ele gritava para a gente: 'come on, kids'", diz Patrícia, rindo, ao
dizer que o pai é brincalhão com qualquer pessoa.
José
Maria começou a trabalhar no Palácio do Planalto como contínuo no
gabinete presidencial em 1961, requisitado da antiga estatal Conerj (Cia
de Navegação do Estado do Rio de Janeiro). Durante o governo
Figueiredo, em 1985, passou a trabalhar no comitê de imprensa, onde
acompanhava jornalistas aos andares de circulação reservada, fazia
clipping, atendia telefone, entre outras tarefas.
Nos
últimos tempos, após 27 anos no comitê, sua tarefa era organizar os
jornais de uso comum dos jornalistas. Chegava ao Planalto ás 9h e
voltava para casa às 14h ou 15h. Aposentado desde 1996, decidiu pedir
exoneração do cargo de comissão que desfrutava na Presidência porque diz
ter chegado "na idade". "Estou mais para lá do que para cá".
A
família tentava o convencer a deixar o trabalho há dois anos. "Agora é
nosso momento de curti-lo, porque realmente para ele chegar aonde chegou
foi com muito trabalho, muito tempo fora de casa", comemora Patrícia,
uma das sete filhas de Very. Netos, são 14. "Os netos estão chegando.
Agora ele vai poder estar mais perto".
Despedida
Nesta quarta-feira (31), ele cumprimentou pela primeira vez Dilma Rousseff, momento organizado rotineiramente pela assessoria do Planalto para funcionários que estão se aposentando ou trocando de cargo conhecerem a chefe e tirarem uma foto.
Nesta quarta-feira (31), ele cumprimentou pela primeira vez Dilma Rousseff, momento organizado rotineiramente pela assessoria do Planalto para funcionários que estão se aposentando ou trocando de cargo conhecerem a chefe e tirarem uma foto.
José
Maria Nazareth, o “Very Well”, na despedida com Dilma Rousseff no
Palácio do Planalto (Foto: Roberto Stuckert Filho/PR e Fabio Rodrigues
Pozzebom/ABr)
"Ela
agradeceu a mim, a nós aqui da minha família. Ela ficou muito
orgulhosa, me abraçou", conta o funcionário sobre o encontro, registrado
pela equipe de fotografia da Presidência. Para o momento, ele levou
Miriam, duas filhas e uma neta.
"Eu
sempre pensava: 'Pô, será se eu vou embora e não falo com a dona
Dilma?’. Mas foi uma beleza, surpreendeu muito, muito, muito. A gente
nota nela que ela tem uma característica assim de servir, de amar, de
não ter falsidade, isso não tem", disse Very.
"A
gente ficou assim afastado quando a Dilma chegou, mas ela olhou para
gente e perguntou se era da família. Foi ela quem chamou para tirar a
foto", contou Miriam.
Dilma
recebeu da família de Very um escapulário e uma imagem dos arcanjos
Miguel, Rafael e Gabriel, nome do neto de Dilma. "Ela perguntou: 'é para
mim?'. Abriu, gostou. Muito bacana da parte dela", conta a mulher de
Very, a aposentada Miriam de Faro Nazareth.
Lembranças
Apesar do encontro emocionante, Very não esconde quem é seu presidente favorito: "O que eu tinha muito apego era o João Goulart", revela. "Ele tinha um gesto engraçado. Quem tava sem casa, corria lá, ele pá, pá, pá e tal. Então você precisava disso, corria lá. Ele sempre servia. Ele cruzava assim as pernas e atendia todo mundo", lembra-se o funcionário.
Apesar do encontro emocionante, Very não esconde quem é seu presidente favorito: "O que eu tinha muito apego era o João Goulart", revela. "Ele tinha um gesto engraçado. Quem tava sem casa, corria lá, ele pá, pá, pá e tal. Então você precisava disso, corria lá. Ele sempre servia. Ele cruzava assim as pernas e atendia todo mundo", lembra-se o funcionário.
O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o único a receber o
funcionário em seu gabinete, ainda no primeiro mandato, para "bater um
papo". Na ocasião, Very pediu que o presidente olhasse para os pobres e
ouviu de Lula: "Vou cuidar disso".
O
trabalho de 51 anos no Planalto marcou também a memória dos filhos.
Leonardo de Faro Nazareth lembra-se de ter sido abraçado pelo
ex-presidente João Figueiredo durante uma festa de confraternização de
funcionários. "Foi marcante porque ele chegou de helicóptero, com a
esposa, que era muito bonita, muito elegante".
Do
Planalto, Leonardo diz que o pai levará a admiração pelos jornalistas.
"Onde estiver um jornalista, eu estou sempre rezando por ele. Porque
pairou em mim esse amor a vocês, seja qualquer um, seja bonito, seja
feio, seja torto, eu sempre estou à disposição", declarou-se Very
durante conversa com repórteres.
Nova rotina
Religioso e devoto de Nossa Senhora das Graças da Medalha Milagrosa, acompanha o "Santo Terço" todos os dias às 18h, na TV Canção Nova, e vai à missa aos domingos na igreja Nossa Senhora das Dores, no Cruzeiro, bairro onde vive.
Nova rotina
Religioso e devoto de Nossa Senhora das Graças da Medalha Milagrosa, acompanha o "Santo Terço" todos os dias às 18h, na TV Canção Nova, e vai à missa aos domingos na igreja Nossa Senhora das Dores, no Cruzeiro, bairro onde vive.
Ele mora na mesma
casa há 30 anos - hoje na companhia da mulher, de três filhos e de
quatro netos – e tem amizade com os vizinhos. "Daqueles amigos dos
tempos sem grade, que os filhos são amigos e brincam juntos", conta.
“Very Well”, e a mulher, Miriam, no Palácio do Planalto (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)
Com
a aposentadoria, natação, caminhadas e exercícios de flexibilidade vão
passar a fazer parte da rotina. Pelo menos esses são os planos da mulher
e da filha, que contam que Very gosta de ouvir música italiana, o
sambista Nelson Gonçalves e o flamenco Paco de Lucía. "Mas esses dias
atrás ele tava cantarolando 'Esse cara sou eu'", ri Miriam.
Já
Very não está tão certo sobre como ocupar seu tempo livre daqui para
frente. "Menina, só Deus sabe. Porque eu não sei ficar quieto. Mas Nossa
Senhora vai mostrar um caminho redentor para mim".
Priscilla MendesDo G1, em Brasília
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